Batizar um personagem é como escolher o nome de um neném.
Durante a gestação, a gente pesquisa, muda de idéia, sofre, experimenta, quer desistir na última hora, enlouquece.
Escrevemos 10 páginas chamando alguém de Alfredo, até que num impulso louco de control+substituir+all, ele passa a se chamar Guilherme. Ou Vincente. Ou Marcos. Ou José Crispim. Ou Teófilo da Silva, Pereira, Moreira, Martinelli, Sabaroski... O céu é o limite.
Assim com mães corujas, nós escritores sempre queremos que:
1 - o nome não seja bobo ou sem graça e que diga algo sobre sua personalidade ou origem.
2 - o nome não seja muito popular ou parecido com o de algum personagem famoso, o que demonstraria nossa total falta de imaginação. Nesse caso, João e Maria, Romeo and Juliet estariam fora de cogitação.
É por isso que nas novelas, que trazem 40 personagens de uma só vez, ouvimos nomes quase esquecidos no tempo: Atílio, Ambrosina, Alcebíades. Isso só para citar a letra A. Belmira, Bernardina, Bóris. Letra B. Mesmo nas tramas urbanas ou contemporêneas.
Uma vez, fiz um documentário no interior do Brasil, e me dei conta que a maior parte dos nomes brasileiros são:
- 1 opção: de origem bíblica - incluindo-se nesse grupo santos, apóstolos e profetas, Isaías, Ezequiel, Josué, Tomé, Matheus...
- 2 opção: criativamente inventados, abrasileirados, releituras de nomes estrangeiros como a série Maikon, Maicol, Maicon - uma das campeãs nos cartórios, ou livres associações como Rosemíriane, Valdilúcia, e por ai vai.
Num dos meus livros, quis colocar um personagem chamado Kléber, que seria o mocinho romântico.
O príncipe encantado equivocado já se chamava Bruno (para mim, Bruno é nome de garoto bonito. Não me perguntem porque.) e o garoto mais apagadinho e aparentemente mais sem graça se chamaria Kléber, com K mesmo, pois eu acho esse nome meio bronco (me desculpem os Kléberes), e era justamente essa a idéia, tipo Heatcliff.
E o que aconteceu?
Todas as pessoas (100%, unanimidade total) que leram meu original antes da publicação disseram: "Gostei da história, mas acho que aquele personagem não devia se chamar Kléber"
Ou então:
"Por que Kleber? Você está querendo derrubar o personagem? Criar rejeição do público?"
Fiquei passada!
Quantas pessoas lindas, maravilhosas e interessantes se chamam Kléber neste mundo!?
Aquilo era um total preconceito.
Angélica também é um nome meio esquisito, que traz uma carga do Bem, assim como Vitória, Esperança, Cândida, Amanda...
Nomes que tem uma virtude no radical, acreditem em mim, são meio pesados de carregar. Prato cheio para reducionismos óbvios, como anjinho, anjo, angelical, essas coisas. blargh.
Lutei por Kléber quase até o fim. Mas a unanimidade de opiniões me assustou e acabei cedendo. Na última página, dei um substituir+all para Rogério (que também cumpria a função de ser um nome meio sem atrativos) e rebatizei o rapaz.
Mas até hoje quando penso nele, o primeiro nome que me vem é o original. Lá no fundo, sei que esse tal de Rogério não passa de um impostor.
CONFISSÃO 1: Todo escritor é rato de lista telefônica e dicionário de nomes.
CONFISSÃO 2: Minhas próximas personagens já têm nome: Karine Amorim, Mychelle Lemmos, Alana Cris e Janaína Schmidt. Qualquer discordância sobre eles estão terminantemente proíbidas neste Blog!
CONFISSÃO 3: Quando descobri que o significado de Cecília (nome da minha filha de carne e osso) era "CEGA ou ESCURA", quase desisti, pensando que ela poderia nascer com uma míopia gigante só por causa da minha escolha infeliz.
Mas depois pensei: Essa é a tradução do etrusco (língua de origem do nome). Mas em tupi é Mãe. E, a partir do nascimento dela, pode virar sinônimo de "garota muito fofinha" em português.
Um comentário:
Ei!!!
100%, unanimidade total, nada!
Eu não reclamei!
Até estranhei quando li o livro publicado.
É certo que a distância fez com que programas televisivos não influenciassem a minha opinião.
Mas ainda sim, acho que mereço elo menos um 0,01 pontinho dessa porcentagem aí.
;o)
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