3.7.12

A Menina da Camisa Marrom

Na parede da casa da minha avó, entre retratos de irmãos e primos todos bem arrumadinhos, a foto escolhida para me representar era essa.

O cabelo cortado por mim mesma parecia de menino; a roupa era marrom, justa, econômica.  Ali estava eu, na galeria familiar, retratada sem sorriso, sem charme, sem babados, sem fitas e com a boca suja de chocolate.

 
Lembro de ficar inconformada, em desvantagem em relação aos outros netos, que estavam pendurados com suas melhores roupas e poses.
- Por que você escolheu logo essa foto? - reclamava.
- Porque nela você está enfrentando o mundo - era sempre a resposta.

Minha avó via naquela imagem uma rebeldia silenciosa, firme, e se orgulhava disso.
E eu, orgulhosa de que alguém tivesse orgulho de mim, aceitava o papel.
Até o dia em que ela morreu, fingi ser a menina que ela esperava que eu fosse. 
Mas hoje, quando essa foto cai nas minhas mãos, numa amurração de gaveta qualquer, ouço a Menina de Camisa Marrom me perguntar:
- E aí, vai encarar?

Diante do seu olhar inquisidor e sua mão da cintura, eu geralmente recuo, sem saber se algum dia eu fui ela. Ou se algum dia ela será eu.
Essa dúvida, que já dura algumas décadas, acabou deixando a Menina de Camisa Marrom sem porta-retrato ou lugar de destaque na estante da minha vida adulta.
Quem sabe um dia?